A pluralidade de discursos no ambiente online
Quando o termo “democracia” foi utilizado pela primeira vez para designar um regime de governo democrático, com a participação do povo tomando decisões de forma direta ou indireta, não era possível imaginar que muito tempo depois essa expressão seria comumente usada ao se referir à internet. A partir do momento em que a moda começou a ser tema nessa mídia, ela tem se mostrado cada vez mais um espaço democrático, basta ter contato com a rede mundial de computadores, conforme diz a técnica em Moda e Estilismo, Mariana Domitila.
O ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, disse algo semelhante ao que pensa Mariana durante o “Campus Party”, que ocorreu no início de 2011, em São Paulo. No evento destinado a divulgação de novidades tecnológicas, ele afirmou que a rede traz a democracia à vida real do cidadão comum, segundo informações da reportagem "Internet é democracia e não pode ser controlada", divulgada em 18 de janeiro de 2011, pelo site “Folha.com”. O ex-vice-presidente entende que, através de algumas ferramentas dessa mídia, as pessoas podem sugerir, reclamar, participar e disseminar ideias mais livremente.
Sendo um ambiente com tal característica, é fácil para as pessoas terem “voz”, transmitirem seus pensamentos, conhecimentos e opiniões em função de inúmeras possibilidades existentes de se criar, de fato, um veículo de comunicação na web. Não é diferente com a moda, a socióloga Marilda Costa comenta que o assunto tem sido tão falado por diferentes pessoas na web por um simples motivo: o interesse. Mesmo que não pareça e que não percebam, para homens e mulheres a moda faz parte do cotidiano, tanto ao escolher uma roupa para ir ao trabalho ou, até mesmo, para em uma ocasião especial e mais formal, como um casamento.
Cláudio Gravina, também sociólogo, enxerga outro aspecto interessante. Ele afirma que, caso uma pessoa queira se tornar um comunicador, consegue no ambiente online. “Qualquer sujeito, mesmo não tendo reconhecimento social, profissional, certificação ou até mesmo prestígio pode criar uma página e conquistar seguidores”.
Espaço de discussão
O fato dos internautas poderem acessar páginas feitas por qualquer pessoa que assim deseje é algo benéfico para a comunicação? Mariana Domitila não demora a responder e é enfática ao dizer que sim. No entanto, explica que antes de se pensar na formação eclética das pessoas que escrevem sobre moda, como nutricionistas, caso de Carolina Heinrichs, do blog “Toque de Neon” e arquitetas, como no blog “Fashionismo”, de Thereza Chammas, é preciso perceber a internet como um importante local para se debater a moda.
Sendo assim, qualquer pessoa que goste do assunto e que tenha uma opinião sobre ele, tem a possibilidade de se expressar, já que essa mídia é vista como mais uma ferramenta de liberdade de expressão, de acordo com Mariana. Afinal, o que alguém escreve aqui, no Brasil, pode ser lido e entendido em diversas outras partes do mundo, praticamente sem qualquer tipo de censura.
Gravina acredita que a rede é um bom local para se debater moda e enxerga algo interessante e ao mesmo tempo complexo no fato de pessoas que não são da área da moda tecerem opiniões sobre ela, coisa que talvez nem elas mesmas tenham se dado conta. “Esse comportamento pode significar um questionamento a hegemonia das indústrias, das grandes personalidades e de grandes marcas”. O sociólogo entende que essa atitude é intrigante, porque quem se destina a ser um comunicador está colocando em discussão o poder da moda e toda a sua indústria, que interferem diretamente na vida de qualquer um através do modo de vestir. Então, não é apenas uma Glória Kalil, Lillian Pacce ou Erika Palomino, todas consultoras de moda conhecidas nacionalmente, que têm o “direito” de falar e um espaço para isso, mas, sim, eu e você.
A psicóloga Juliana França acompanha a moda pela rede e, como internaura, enxerga que a pluralidade de discursos no ambiente online só tem a acrescentar. "Acho que todo mundo pode contribuir com alguma coisa", diz Juliana. A jornalista e mestre em História, Andrea Sanhudo, complementa e explica que a liberdade que há nessa mídia propicia com que aqueles, que antes eram apenas leitores, acreditem que também podem fazer parte do "hall" de comunicadores da web. “A internet esta aí para todos, para que as pessoas se manifestem da forma que acreditem que seja essencial”, explica.
Confira no vídeo o porquê as blogueiras Constance Zahn, Mariah Bernardes e Ceci Lima decidiram criar suas páginas,entre outros assuntos. Matéria divulgada pelo canal do Youtube TAM
Bruna Bauer, editora dos sites das revistas, "Elle", "Manequim" e "Estilo", estudou quatro anos de jornalismo e poderia defender fortemente a necessidade de se ter um canudo nas mãos para poder escrever sobre moda, certo? Errado. Ela concorda com a técnica em Moda e Estilismo e, ainda, faz uma revelação: possui uma página de gastronomia e culinária, mas não é formada na área, resolveu cria-la por gostar de cozinhar e por se interessar pelo tema. Para conhecer o "Prato do Dia", o blog de Bruna, clique aqui!
E é justamente por compreender que as pessoas podem ter interesses distintos, mesmo que eles não constem especificados em seus diplomas ou certificados, que a editora crê que todo o tipo de informação é bem vinda para a moda, mas faz uma ressalva: “Acho que é um espaço democrático e está ai para todo mundo, mas a credibilidade varia de acordo com a qualidade do conteúdo que as pessoas postam”. Talvez mais do que em qualquer outro meio, na web, em função da sua característica democrática, é possível encontrar todos os tipos de informações, as que podem ser levadas a sério e as que não.
Flávio Tenguan, no entanto, reforça a questão da credibilidade comentada por Bruna e afirma que a internet é um ambiente interessante para que as pessoas aprendam a se vestir e se portar, mas, para um conteúdo em que o leitor possa confiar é preciso mais do que apenas vontade de informar. “Acho todo tipo de informação válida, sim, mas observo com mais carinho quem eu percebo que tem uma referência e não fica só no achismo. Eu gosto da informação embasada”.
Quem escreve?
Não é apenas Tenguan que entende que conteúdo embasado em pesquisas é essencial para a comunicação. Para Natália Clementin, autora do “Blog da Nala” e do “Blog das Meninas”, é preciso um pouco mais do que isso. Na verdade, é necessário um conjunto de características, como escrever bem, ter noção de estética, do que é moda e de seus significados, do que é feio ou bonito, entre outras coisas. Pode parecer difícil reunir todas essas aptidões em um só sujeito e, realmente, é. Para resolver esse problema, existe uma saída, de acordo com ela: “Cursos são sempre bons e eu recomendo, quem não estuda para no tempo”.
Ao dizer cursos, Natália não quer dizer que é preciso ficar necessariamente quatro anos ou mais matriculado em faculdade para ter conhecimento. Hoje em dia, o que mais se encontra são os chamados “cursos livres”, que possuem curta duração, espalhados em todas as partes do país, muitos, inclusive, com a possibilidade de serem realizados total ou parcialmente online. Utilizar a mídia internet para aprender é algo bem vindo, afinal, porque não aproveitar esse ambiente para aprender cada vez mais? Para conhecer um pouco mais sobre as instituições de ensino que oferecem a modalidade de aprendizagem sem que seja preciso sair de casa, basta clicar nos links a seguir: EnModa e IbModa.
Adriane Hagedorn, formada em Negócios da Moda e uma das colaboradoras do blog “Petiscos”, entende que quem deseja ser um comunicador precisa ter conhecimento de moda, porém não fala exatamente sobre a necessidade de formação acadêmica. Talvez seja possível entender porque ela acredita nisso ao notar que a página em que ela escreve possui diversas pessoas que são formadas em outras áreas Julia Petit é publicitária, já as colaboradoras Mari Rossi e Marina Smith são respectivamente dj e designer. O que existe entre elas e pode ser rapidamente percebido é a bagagem cultural e o interesse sobre o tema.
Para a artista plástica, Lúcia Castanho, que, juntamente com sua filha acompanha o jornalismo de moda, quem se dedica a abordar o assunto precisa estudar. Ela frisa, ainda, que uma pessoa pode escrever bem sem ter uma faculdade, porém, estando matriculada em uma instituição de ensino ela poderá conhecer um caminho cheio de opções, que, com certeza, seria difícil de ser encontrado caso não houvesse estudo. “É muito mais rápido, inclusive, fazendo uma faculdade”.
Mariana, ao mesmo tempo que enxerga a web como um espaço de discussão muito rico para a indústria da moda, acredita que a especialização é um caminho natural para a pessoa que deseja ter segurança e convicção de que está realizando um bom trabalho. Ela comenta que os grandes nomes no jornalismo de moda já tiveram contato com a moda algum dia, seja trabalhando com ela ou, mesmo, pesquisando academicamente, buscando sempre se aperfeiçoar.
A técnica em Moda e Estilismo comenta, ainda, que a possibilidade de qualquer um produzir conteúdos a nível mundial pode ser muito interessante, pois a partir dessa prática, pode surgir o interesse em seguir uma profissão. A partir da experiência escrevendo sobre moda, podem surgir pessoas que se descubram fotógrafos, publicitários, jornalistas e produtores de moda. “É desse ambiente de discussão, de debate que podemos dar espaço para outros profissionais de moda nascerem”. O que começou, então, com uma simples vontade de ser mais uma “voz” nesse universo pode se tornar algo maior.
Na contramão de todas as opiniões, está Maíra, editora do site “Chic”. Ela não gosta do fato de pessoas sem o estudo da moda e do jornalismo se expressarem livremente. “Acho isso um saco, mas acontece com outras áreas. Veja o jornalismo esportivo e o de crítica de música e cinema, é a mesma bagunça”. Ela entende que as informações não podem ser tratadas como se fossem algo simples, mas, sim, precisam ser abordadas por quem tem “expertise” no setor.
Por esse motivo Maíra defende a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, coisa que desde o dia 17 de junho de 2009 já não é mais necessária, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A editora frisa que só assim é possível assegurar um piso salarial respeitável a quem desempenha a profissão. Ela diz, ainda, que há uma confusão entre o especialista em moda e o especialista em comunicação e explica que é preciso separar bem as funções do jornalista e da pessoa formada em moda. “Eu defendo a faculdade de jornalismo para quem quer ser jornalista. Se a pessoa quer trabalhar como produtor, ‘stylist’, diretor de arte, aí pode fazer moda”.
Andrea Sanhudo tem uma opinião semelhante à de Maíra. Ela entende que na web qualquer um possa se expressar, mas, acredita que para que um site ou um blog faça, de fato, jornalismo de moda, precisa ter pelo menos alguém formado na área responsável pela página. “Eu sempre acho importante que a gente defenda que o jornalismo seja feito por jornalistas”. Andrea comenta, ainda, que, como o Brasil é conhecido internacionalmente como grande produtor e exportador de moda, bem como é conhecido pela beleza de suas modelos, é preciso que haja uma preocupação com a qualificações dos profissionais que noticiam as mudanças desse setor.
Andrea diz como enxerga a pluralidade de discursos na rede. Foto: Luciana Morais. Vídeo no canal do Youtube: "Internet: a nova moda"
Mas se, desde 2009 não é necessário ter um canudo do curso de jornalismo no Brasil para exercer a função, porque seria importante cursar uma faculdade para escrever? O questionamento pode, também, ser outro: porque se há profissionais de moda que não frequentaram uma faculdade, alguém que abordasse o tema precisaria estudar?
Mariana lembra que o aprendizado acadêmico nunca é demais, e reforça que no caso do rádio, da televisão e do impresso, ter um profissional especializado consegue trazer prestígio para o meio e é, muitas vezes, essencial para que uma pessoa seja contratada. “É importante para o meio de comunicação ter jornalistas especializados em moda, o leitor sente mais segurança na informação e isso dá mais credibilidade à matéria”.
Leitor como selecionador
Sendo formado ou não, especialista ou não, as páginas estão disponíveis para quem quiser acessa-las. Quem decide o que é relevante ou não é o leitor, é ele quem realiza a função de escolher, em meio a uma enormidade de opções disponíveis em sites de buscas, por exemplo, quais páginas serão visitadas. Como ele faz, então, para selecionar que tipo de informações vai seguir e acreditar na internet?
Para Helena Gozzano, editora do caderno “Ela”, o internauta deve buscar quem possui uma bagagem/trajetória para falar sobre moda, coisa que ela costuma fazer no ambiente online. “As pessoas realmente interessadas devem procurar ler quem realmente quem tem ciência pra falar sobre aquele assunto. Eu, como jornalista, não vou beber da fonte de um blog que não tenha alguma ciência ou embasamento bacana para opinar”.
Natália Clementin entende que se o leitor ficar atento e acompanhar a história da página ou de quem a produz conseguirá facilmente saber separar o “joio do trigo”. Há conteúdos muito bons, assim como, ruins, basta saber selecionar. Afinal, já não fazemos isso em outros meios de comunicação? Basta realizar a mesma prática na web.
O estudante do ensino médio Jonas Fávaro, tem costume de acessar páginas sobre moda masculina, foi inclusive em um deles, o blog “Moda para Homens”, que ele foi encontrado para comentar de que maneira seleciona o bom material do ruim. “Procuro fazer uma pesquisa sobre o autor do site ou blog, para ver se tem base e conhecimento para falar sobre tal”. O estudante diz que faz uma busca para saber se a página pelo qual ele se interessou é recomendada ou citada por outras já conhecidas, assim, ele define em que páginas ele se informará.
Claudio Gravina explica que o processo de selecionar o que merece ser acessado na rede não depende, somente, da vontade de um indivíduo ter contato com informações verídicas, vai muito além disso. “O sujeito tem que ter, no mínimo, um suporte educacional pra saber filtrar essas informações e dar a devida relevância a elas”. Não basta frequentar uma escola ou instituição de ensino para que se consiga ter essa base. O sociólogo explica que ter consciência crítica não é algo que seja estimulado pela sociedade.
Gravina afirma que, atualmente, as pessoas são muito voltadas para coisas efêmeras e de poucos valores relacionados à coisa publica. Encontrar um culpado para essa realidade não é uma coisa a ser feita, até porque há um estímulo que essa atitude aconteça em decorrência, em parte, do consumismo e do capitalismo, que acabam sacrificando outros valores como a educação e o conhecimento, fazendo com que seja difícil conseguir ter uma base educacional para avaliar quais páginas valem a pena serem visitadas.
Sendo essa a realidade, pelo menos em terras brasileiras, não sobra muito aos internautas senão recorrer ao próprio repertório e procurar ter como fonte de informações quem realmente possui conhecimento para comunicar. Patrícia Ribeiro lembra que na web há dois tipos de produtores de conteúdos, aquele que se especializa e o que não. “Comunicador todo mundo é, comunicólogo não. É fácil sentar na frente do computador e escrever qualquer coisa. É uma rede aberta, onde todo mundo pode”. Ter em mente o que Patrícia fala ao decidir o que merece ser acessado já ajuda e muito!