O que pauta o jornalismo de moda?

Possuir um blog ou um site pode parecer algo simples e a princípio realmente é, basta realizar o cadastro em um serviço de desenvolvimento de páginas, escolher um “layout” e começar a escrever. No entanto, escolher os temas que serão abordados exige um pouco mais. Não é porque a internet é vista como um ambiente em que as pessoas conseguem ter acesso fácil e rápido às informações, que seja uma tarefa igualmente fácil decidir quais conteúdos devem ser divulgados. Na rede, quem se propõe a ser um comunicador pode nem saber ao certo, mas  exerce a função que em revistas é a do editor, que pauta sua equipe sobre o que será assunto numa edição, por exemplo. A pessoa que faz jornalismo de moda na web assume a função de “gatekeeper”, uma espécie de “guarda do portão”. O termo se refere ao selecionador de informações, é ele a pessoa responsável por permitir, ou não, que uma notícia passe por diversos “portões” até ser divulgada, de acordo com o jornalista Mauro Wolf, no livro “Teorias da Comunicação”.

O autor de uma página possui, então, a função de selecionar quais assuntos merecem ser abordados e quais não, levando em consideração alguns critérios. Tendências? Sugestões? Anunciantes? Você já parou para pensar o que, de fato, pauta o produtor de conteúdo na rede mundial de computadores quando o assunto é moda?  

Tendências

Se perguntarmos aos autores de blogs e sites de moda como são escolhidas as notícias que serão divulgadas na web a resposta será praticamente a mesma: tendências. A jornalista de moda Heloísa Gomes, do blog "Sanduíche de Algodão", escolhe o que será “postado” de acordo com suas descobertas do que é novo e interessante no mundo “fashion”. Guilherme Cury, editor do blog “Moda para Homens”, diz que define o que será assunto a partir das novidades em roupas, acessórios, entre outros temas. 

Mas, afinal, como surge uma tendência e por que motivo quem aborda o assunto acredita que falar sobre ela é tão importante? A resposta é fácil, noticiar o que é tendência é praticamente um “furo“ jornalístico, é uma informação que no dia em que é publicada pode não fazer sentindo, mas é um comportamento que será adotado dentro de pouco tempo. 

Um exemplo é o caso da “febre” da estampa de onça, antes mesmo de iniciar a temporada outono/inverno de 2011, já “pipocavam” matérias dizendo que essa estampa faria sucesso nessa temporada. Sites e blogs há meses davam conta de que a “oncinha” seria muito usada por mulheres em peças de roupas e acessórios, como é o caso do “Blog da Thássia”, que em janeiro divulgava a estampa como tendência, e do “Via Mulher”, site, que no início de março, ensinava as  internautas a utilizar a estampa de bicho nas unhas.

 

Thassia Naves fala sobre a estampa que está na moda e posta um "look" seu no "Blog da Thassia". Imagem capturada por Luciana Morais

 

Para que a tendência possa ser noticiada, porém, há muito trabalho. Os escritórios de estilo, conhecidos por “bureaux de style” espalhados por todo o mundo são responsáveis por detectar o que pode vir a ser interessante na maneira de se vestir, conforme explica Joelma Leão na obra “Moda, Comunicação e Cultura”. O trabalho dessas empresas nada mais é do que  fornecer análises embasadas em pesquisas e observações para a construção da imagem de uma peça de roupa ou de um acessório. 

Para isso, profissionais de diversas áreas se unem para prestar atenção em alguns aspectos ainda não percebidos pelas pessoas comuns. “Pode ser um gesto inusitado, uma atitude transgressora, um comportamento social que esteja sendo comum, igual entre alguns grupos de pessoas; um acessório em evidência, uma cor, um elemento que se sobressai de todo seu cenário”, frisa Joelma. 

A técnica em Moda e Estilismo Mariana Domitila entende que para descobrir o que será “trend”, termo muito usado para se referir à tendência, os escritórios necessitam se debruçar sobre a sociedade e enxergar as transições que acontecem dentro dela. Este não é trabalho fácil. “Os pesquisadores fazem muitas viagens por diversas partes do mundo para conhecer a cultura das regiões, ver como as pessoas se comportam e como vivem. Eles reparam nas diferenças para poder sugerir novas tendências”, cita a técnica. 

O produtor de moda Flávio Tenguan explica, ainda, que as tendências têm, de fato, relação com o comportamento de um povo e podem surgir de duas maneiras. A primeira pode ser visualizada na forma de uma pirâmide normal, com uma base maior e com uma ponta menor. Nesse caso, a tendência nasce em uma minoria, geralmente da elite, ou um ícone como a cantora Madonna, para depois se popularizar na massa, deixando, assim, de ser somente um indício para se tornar moda. Outro caso é o da pirâmide invertida, em que uma tendência nasce na maior parte da população, como é o caso dos movimentos “punk” e “grunge”. Surge numa maioria e é tão forte como identidade que a minoria, no caso a elite, acha tal comportamento interessante que acaba virando moda, um comportamento. 

 

Entenda o que Tenguan explica, para ampliar a figura, clique aqui! Figura desenvolvida por Luciana Morais

 

É trabalho dos escritórios de estilo perceber todas essas movimentações nas sociedades com antecedência, já que esse trabalho não é feito de uma hora para outra, bem longe disso. O “caderno de tendências”, no qual se encontram todas essas informações é comercializado de 18 a 20 meses antes de uma estação do ano, segundo Joelma Leão. É isso mesmo, toda e qualquer pesquisa exige um custo que é repassado a quem deseja obtê-las em primeira mão; marcas e estilistas que queiram ter o estudo podem chegar a desembolsar a quantia de 60 mil dólares por cada temporada, primavera/verão ou outono/inverno. 

Tanto investimento e pesquisa não são à toa, se muitas empresas fazem uso essa espécie de consultoria, nada melhor do que o jornalismo de moda noticiar as descobertas do que é tendência, já que esse setor da comunicação se alimenta prioritariamente de fatos atuais e novos. Isso fica claro com a declaração de Dulcilia Buitoni, na obra “Imprensa Feminina”: “A pedra de toque da imprensa feminina é a novidade”.  No caso da internet, noticiar tudo isso pode ocorrer de forma extremamente rápida.

Disseminadora ou produtora?

A web tem se tornado mais um ambiente para a divulgação das tendências descobertas nas ruas, através de comportamentos e pensamentos dos membros de uma sociedade. No entanto, há quem pense que a internet não tenha somente o papel de disseminar esses indícios já descobertos, mas que consiga ser, também, uma mídia em que essas tendências floresçam.

Guilherme Cury, editor do blog “Moda para Homens”, afirma que essa questão é muito comentada atualmente e foi, inclusive, um dos temas tratados pelo escritório de estilo, “WGSN”, em seu último encontro, que aconteceu em 01 de fevereiro deste ano, no Shopping Iguatemi, em São Paulo.  

De acordo com o vídeo apresentado pela empresa com o nome “WGSN Macrotrend – JPEG”, diversas tendências estão sendo percebidas na internet. Para o verão brasileiro de 2012, uma das “macrotendências” citadas é o “JPEG Gen” (Geração do JPEG, um formato de arquivo de imagem), na qual a web funciona como pano de fundo de uma geração inteligente, porém, irônica. Inteligente ao utilizar a internet como faz e irônica pelo fato de se alimentar de coisas contraditórias, como o minimalismo versus o excesso visual; a produção versus o consumo; o armazenamento versus a reciclagem; o anonimato versus a identidade. O vídeo aborda, também, a espécie de “déficit de atenção” que ocorre nesse tipo de mídia devido à rapidez com que informações e imagens são divulgadas, quando isso ocorre o contexto original das mesmas dá lugar a uma nova e diferente interpretação. Para conferir mais detalhes, assista ao vídeo abaixo.


Para compreender as tendências citadas por "WGSN", clique na imagem. Vídeo divulgado pelo canal do Youtube "Videos Mind Set"


Baseado, então, nessas descobertas do “WGSN”, Cury acredita que a internet possui  um papel importante na ajuda da disseminação de tendências, mas, também, consegue cria-las em função de suas características. “Vejo alguns blogs e blogueiras criando vários estilos que são adotados pelas leitoras”, afirma. Bruna Bauer, editora dos sites das revistas “Elle”, “Manequim” e “Estilo”, possui uma opinião diferente, acredita que a rede dá, apenas, mais visibilidade ao que está sendo falado e comentado. “Ela pode até dar mais força, colocar alguma coisa em evidência, um tema, uma tendência mais recorrente na rua ou na passarela, mas inventar não inventa”.

Adriane Hagedorn, uma das jornalistas e editoras do blog “Petiscos”, da publicitária Julia Petit, partilha da opinião de Bruna e pensa que o ambiente online não consegue criar tendências ou ser espaço para que elas surjam, já que as mesmas seriam identificadas a partir de imagens vistas em desfiles ou mesmo nas ruas. A jornalista entende que é necessário um ponto de partida físico, aliado a um olhar bem treinado que consiga identificar essas referências.

Com relação à descoberta feita pelo escritório de estilo WGSN, está errada? Mariana Domitila, técnica em Moda e Estilismo, acredita que não e reforça o que Cury pensa: a internet não só distribui como, também, pode criar, basta as pessoas conseguirem identifica-las. Ela frisa que, principalmente nos blogs e em redes sociais (como o “Facebook” ou o “Orkut”), as pessoas se expressam, gerando informações preciosas. “Nesse expressar saem novas ideias. As empresas de moda ou escritórios de estilo se utilizam dessas informações para perceber tendências. Institutos de pesquisa não pesquisam só no presencial, pesquisam no virtual também”. 

Interação dos leitores

O jornalismo de moda se “alimenta”, ainda, de outras fontes, e o leitor ou internauta, é considerado importante nesse processo. É, justamente, na rede mundial de computadores que ocorre uma comunicação quase que instantânea entre quem produz conteúdos e quem os consome. Através de fóruns de discussão e de sistema de comentários há uma interação e troca de informações extremamente rápidas, coisa que não acontece da mesma maneira na televisão, no rádio ou no meio impresso. 

O produtor de moda, Flávio Tenguan, diz que consegue perceber uma diferença gritante entre a velocidade da resposta do leitor em publicações e na web. “Você tem um ‘feedback’ muito mais rápido (na internet). Na revista, num mês ela é divulgada e só no outro mês você vai saber se o trabalho foi bem aceito. Tanto para o lado positivo quanto para negativo”, frisa. 

A jornalista Heloisa Gomes concorda com o produtor e ainda vai além. “Eu gosto de manter uma relação bem próxima (com os leitores), afinal, blog é bate papo”. Ela realmente leva essa interação a sério. Ao entrar no “Sanduíche de Algodão”, é possível confirmar tal afirmação. Clicando em “comentários”, ao final de cada postagem, há uma parte que contém as impressões e sugestões dos internautas, seguidos de comentários da própria Helô, como eles a chamam, como se fosse realmente uma conversa. Clique aqui para acessar uma das páginas de recado do blog da jornalista!

Bacana, não? O mais interessante é que dessa interação pode surgir ideia ou até sugestão de pauta. Cury conta que o “Moda para Homens” recebe não só comentários, mas, também, e-mails sobre o que os leitores sentem falta no blog, de assuntos que gostariam que fossem abordados. Ele lembra que a página sempre busca novas formas de contato com seu público-alvo, utilizando um site de perguntas e respostas. “Nós fomos um dos primeiros blogs a usar o ‘Formspring’ para responder perguntas e dúvidas dos usuários e por lá vemos algumas necessidades de conteúdo também”. 

O estudante Jonas Fávaro tem o costume de interagir com os autores das páginas que acessa e gosta de ver o que sugere abordado. “Deixo minha opinião, recados e, é claro, sugiro pautas. Se sou respondido isso faz com que eu adquira credibilidade e confiança no site”. A atitude do estudante é comum, mas não significa que tudo que é dito pelos internautas venha a ser veiculado, pois, conforme afirma Tenguan, o site ou blog precisa ter uma espécie de linha editorial, uma posição, e se guiar por ela. Ele enxerga, no entanto, como benéfica qualquer opinião, mesmo que ela não seja abordada exatamente da maneira que o leitor a sugeriu. “O internauta pode dar uma ideia que pareça nada a ver, mas, se naquele dia você estiver inspirado, pode surgir um ‘link’ com outro assunto”. 

No entanto, não são todas as pessoas que acessam a internet e interagem com os autores de sites e blogs e isso não significa que os internautas não gostaram do conteúdo divulgado, apenas optaram por apenas acompanhar o jornalismo de moda feito nessa mídia. É o caso de Juliana França, psicóloga. “Não costumo comentar, eu entro só para me informar mesmo, não tento trocar mensagens”, diz.

Anunciantes e pautas

Ao acessar páginas na web sobre jornalismo de moda, em algumas é possível notar a presença de publicidade. Muitos sites e blogs contêm “banners” de anunciantes, geralmente, ligados à indústria da moda, como marcas de roupas e acessórios, ou fazem parcerias com empresas, dessa forma conseguem lucrar com o trabalho que fazem. Mas será que as propagandas podem influenciar no conteúdo dos posts?

De acordo com Adriana, editora do blog “Pestiscos”, isso pode ocorrer em alguns casos. Ela explica dando um exemplo: na edição de janeiro de 2011 do “São Paulo Fashion Week”, a loja de departamento “C&A” montou um “lounge” no evento, lugar em que a equipe do blog ficou “hospedada” durante a semana de moda. Por consequência, muito do que foi veiculado era relacionado ao local montado pela empresa. “A cada dia mostrávamos o que acontecia ali, as comidinhas, a música, quem passou por lá”.

 

Acima, uma imagem do blog "Pesticos". Clique na imagem para amplia-la e conferir a quantidade de publicidade que há na página. Figura capturada por Luciana Morais

 

Tal prática do blog é mais comum do que se possa imaginar para Flávio Tenguan, que enxerga essa atitude como algo natural e comum, porém que varia de acordo com os objetivos do blog e do público. Optar por ter anunciantes fica a critério de quem produz a página. "Cada blog é um único. Há os comerciais e os não comerciais”. 

Se uma empresa de acessórios patrocina a página e manda seus produtos para que o autor teste e dê sua opinião, coisa comum na web, em que as pessoas costumam dar “nota” para a qualidade de peças, essa é uma atitude correta? Natália Clementin acredita que depende da postura do autor, se o mesmo não se deixar influenciar pelo dinheiro que recebe e avaliar o que recebeu como se fosse um cliente, tudo bem. Caso isso não ocorra, “aí caímos naquele questionamento do blog comercial e do blog pessoal, temos que nos fazer a pergunta, você vive por causa do blog ou vive através dele?”. Ela comenta que muitas pessoas lucram com suas páginas e divulgam conteúdos que, muitas vezes, não têm relação alguma com os temas comumente abordados, apenas porque empresas pagam para serem citadas.