Internet: um ambiente importante para o jornalismo

Quem poderia imaginar que uma mídia surgida inicialmente para fins militares se transformaria em uma importante forma de comunicação nos dias atuais? Mas é exatamente isso que está acontecendo com a internet e com suas inúmeras ferramentas, que permitem com que as pessoas se comuniquem e, também, se informem.

O alerta de que mudanças nesse ambiente já aconteceram e estão para acontecer na maneira de se comunicar estão ai, para que qualquer pessoa possa ver. 

A transformação da mídia

Criada em 1969, pela ARPA (Advanced Research Projects Agency), com a intenção de alcançar a superioridade tecnológica militar sobre a União Soviética no período da Guerra Fria, a internet, na época com o nome de Arpanet, teve suas finalidades alteradas conforme a tecnologia foi avançando e se desenvolvendo, de acordo com Manuel Castells, em seu livro “A galáxia da internet”. Mesmo que não aparente, a intenção da agência norte-americana já era a comunicação, conforme conta Guilherme de Queirós Mattoso, na pesquisa “Internet, jornalismo e weblogs: uma nova alternativa de informação”. “A gênese da internet surge com a Arpanet, um mecanismo de troca de mensagens criado para assegurar a manutenção das informações vitais trocadas a longas distâncias”.

Antes mesmo de estar disponível para um grande número de pessoas, foi durante a década de 1970 que a rede cresceu e pode estar presente, mesmo que de maneira restrita, em diversos centros de estudos dos Estados Unidos como as universidades da Califórnia e de Utah. Castells explica que com o fim das disputas da Guerra, o modelo proposto pela ARPA não durou muito e, por volta de 1990, o formato já havia se tornado obsoleto e desnecessário. Desmonta-lo naquele momento parecia a coisa certa a ser feita. “Na mesma década, a maior parte dos computadores dos EUA estavam apetrechados para poder funcionar em rede, criando assim, as bases para sua interligação”, explica.

É preciso pensar, porém, que mesmo as máquinas já tendo condições de “suportar” a internet naquele momento, “navegar” pela rede era algo complicado e nebuloso, mais, ainda, era conseguir chegar ao destino que se desejava. Coisa que mudou somente a partir da criação da sigla “WWW” (World Wide Web), em 1992, um sistema que recupera informações na internet. Foi graças a essa invenção do engenheiro e programador Tim Berners-Lee que ocorreu uma grande mudança no ambiente online, quando as pessoas passaram a encontrar tudo aquilo que desejavam, cita Mattoso.

Em terras brasileiras, a internet só chega por volta da década de 1970, mas apenas algumas pessoas tinham contato com essa mídia e esse é um dos motivos pelo qual quase ninguém sabia ao certo do que se tratava. Basta perguntar para alguém que viveu naquela época se ela já tinha ouvido falar nessa palavra, a resposta deve ser enfática: não. “Ela começa pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), mas era algo muito restrito, quem tinha contato com essa mídia era quem fazia pesquisas”, explica a jornalista e especialista em Cultura Midiática Patrícia Ribeiro.

Para que a população começasse a conhecer, de fato, a internet, demorou mais um pouco e o lucro foi o grande agente responsável por isso. A rede mundial de computadores só começou a fazer parte do dia-a-dia das pessoas que não tinham acesso às pesquisas acadêmicas quando o capital privado percebeu que havia uma oportunidade de ganhar dinheiro com esse advento, de acordo com Patrícia. Empresas privadas não perderam tempo e rapidamente criaram provedores, uma espécie de operadora que permite a conexão com a web. No caso dos Estados Unidos, isso aconteceu por volta de 1980, quando surgiram os primeiros provedores como a “AOL”, fundada em 1985; já no Brasil, há exemplos dos grupos “Uol” e “Terra”, ambos fundados em 1996. Foi a partir do surgimento dessas empresas que o público pode contratar uma assinatura para não apenas navegar, mas mergulhar de cabeça nessa nova mídia.

Luiz Fernando da Rocha Pereira, no estudo “O adiantado do minuto: a internet e os novos rumos do jornalismo”, explica que 1995 foi o ano em que a internet de fato começou a ser encontrada nas casas dos brasileiros com mais frequência. A partir de então, e com o auxílio de inovações tecnológicas, houve um verdadeiro “boom” de novas formas de utilizar o computador, desde a realização de uma comunicação interpessoal até mesmo a possibilidade de se manter informado sentando em frente a uma tela.

Popularização/mudança de hábitos

O sociólogo Cláudio Gravina explica que para entender como a rede conseguiu ser uma das principais fontes de consulta a notícias, superando até mesmo o meio impresso, tradicionalíssimo quando o assunto é informar, é preciso saber que ela foi a grande responsável por mudar a maneira das pessoas se relacionarem.

  

Gravina diz como as relações se modificaram no ambiente online. Foto: Luciana Morais. Canal do Youtube: "Internet a nova moda"

 

Num mundo em que as pessoas se comunicavam através de cartas ou telefone, a internet surgiu para quebrar todas as regras já estabelecidas, fazendo com que a pessoa comum consiga falar com outra de qualquer parte do mundo, sem ter que gastar interurbano, por exemplo. “Ela abriu grandes possibilidades comunicacionais, rompeu um pouco com a barreira de espaço e tempo: você tem uma interação instantânea, podendo entrar em contato com pessoas de locais muito distantes”, reforça Gravina.

A jornalista Patrícia vai mais fundo e afirma que essas novas possibilidades são consequências diretas de algumas ferramentas de comunicação que essa mídia oferece. “O que deixou a internet popular foi o contato interpessoal, a comunicação em tempo real”, ressalta. Os “antenados” com certeza se lembram do “ICQ”, um exemplo disso, pois foi uma das primeiras formas de interagir com pessoas de qualquer parte do mundo através de mensagens, como num bate-papo.

De acordo com informações do próprio site do programa, ele surgiu em 1996, com o nome “Mirabilis”, portanto, apenas um ano após a internet ter começado a se espalhar pelo Brasil. Criado por quatro jovens Yair Goldfinger, Arik Vardi, Sefi Vigiser e Amnon Amir, eles acreditavam que faltava na web uma ferramenta que interligasse os internautas. “As mensagens instantâneas foram o elo que faltava, uma tecnologia que tornou a comunicação ‘peer-to-peer’ possível”, segundo informações do site. O termo em inglês “peer-to-peer” (P2P) se refere a um tipo de rede virtual que funciona com a intenção de compartilhar diversos recursos entre seus participantes, conforme citam João Rocha, Marco Domingues, Arthur Callado, Eduardo Souto, Guthemberg Silvestre, Carlos Kamienski, Djamel Sadok no artigo “Peer-to-Peer: Computação Colaborativa na Internet”.

O que os autores abordam no estudo são as inúmeras possibilidades que esse tipo de rede gera, e as principais são: troca de mensagens de forma instantânea e a possibilidade de “baixar”, ou seja, obter a partir de seu próprio computador, arquivos e informações. “A tecnologia P2P estimula as pessoas no momento que elas percebem que podem participar e fazer a diferença. Isso explica o sucesso de algumas aplicações como o ICQ, KaZaA e o Napster”, os dois últimos sistemas são conhecidos por permitir trocas, principalmente de músicas e vídeos, entre os usuários.

Depois do êxito alcançado pelo “ICQ”, não é difícil imaginar o porquê diversas outras ferramentas semelhantes surgiram, como é o caso do extinto “ComVc”, software de comunicação mantido pelo provedor “Uol”, em 1999; e o “Messenger”, do portal "MSN", criado, também, em 1999.

Como é possível falar em comunicação atualmente sem citar o “Twitter”, conhecido, também, por microblog? Isso é algo praticamente impossível, pois, diferente dos demais, ele permite que cada internauta crie uma página no site e escreva mensagens de até 140 caracteres por vez, permitindo a interação com outras pessoas cadastradas no site, desde 2006. Essa ferramenta de comunicação, que surgiu sem maiores pretensões, é utilizada, hoje, com inúmeras finalidades. Há quem a use para estar em contato com colegas ou amigos, chegando a ser um modo importante da veiculação do jornalismo.

Jornalismo na internet

Se a ação de comunicar sofreu diversas mudanças, não foi diferente com a forma que as pessoas encontraram para se informar. O jornalismo digital nasceu em 1981 quando o jornal “Columbus Dispatch", dos Estados Unidos, passou a disponibilizar todo conteúdo da edição diária na rede, cobrando uma taxa para os usuários poderem acessá-lo, como explica Guilherme Mattoso. Nessa mesma década, em meados de 1980, começam a surgir as primeiras experiências com a rede no Brasil. De acordo com Hélio Freitas em sua dissertação de mestrado “Nem tudo é notícia: o grupo Folha na internet”, no país, a utilização dessa mídia pelas empresas jornalísticas começou com iniciativas do grupo “Estado de S. Paulo”, que investiu em serviços especializados de informações com a modernização da “Agência Estado”.

Demoraram, no entanto, alguns anos para que as pessoas rede pudessem se informar pela rede. Apenas em 1995, o primeiro jornal impresso de grande circulação do país, o “Jornal do Brasil”, passou a ter, também, uma versão online. Depois dessa publicação, outras seguiram o mesmo caminho, a “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, “O Estado de Minas”, também, criaram seus sites, de acordo com Pereira.

Depois desse primeiro passo importante dado por algumas publicações, chegou o momento de surgir um jornal criado especialmente para a internet. É isso mesmo, um site que divulga notícias de forma extremamente acelerada, praticamente de segundo a segundo e criado exclusivamente para a rede mundial de computadores. O nome da página não poderia ser melhor: “Último Segundo”, fundado em 2000 e mantido pelo Portal “IG”. Patrícia afirma que ele é o precursor quando o assunto é notícia divulgada em tempo real. A página possui, desde sua criação, uma redação própria, mas, conta com matérias enviadas por outras agências de notícias.

Dai em diante, os portais, responsáveis por abrigar sites de diversos assuntos, de acordo com Patrícia Ribeiro, se tornaram os principais produtores de conteúdos jornalísticos, se tornando referência para quem deseja se informar. Mattoso frisa que foram essas páginas como “IG”, “Uol”, “Terra”, entre outros, os responsáveis por consolidar o modelo de notícias em tempo real, o “hard news”.

Nos últimos anos, os blogs, criados em 1990 com o nome de “web log” (algo como um diário de bordo da web) e com a intenção de fazer as pessoas se expressarem sem muitas complicações, se tornou, também, um espaço importante para a comunicação e para o jornalismo. Nem sempre, porém, eles foram vistos com bons olhos. Os profissionais de comunicação os viam com desdém, no entanto, foram percebendo aos poucos que eles eram consequência das transformações que o jornalismo digital trouxe e ainda iria trazer, de acordo com Rosental Calmon Alves, no artigo “Jornalismo digital: Dez anos de web… e a revolução continua”. “Assim, em vez de ficarem empancados na inútil discussão para determinar se blog é ou não é jornalismo, muitos jornalistas e jornais adotaram seus próprios blogs, levando para eles os mesmos valores que aplicam nas formas tradicionais de jornalismo”, segundo o autor.

No texto de Alves, é citado, ainda, que essa forma de comunicação possibilita o diálogo com o leitor de forma direta, que é o que “prega” o jornalista americano Dan Gillmor, diretor do “Knight Center for Digital Media Entrepreneurship”, algo como “Centro para o Empreendedorismo da Mídia Digital”, da Universidade do Arizona. Ele, que possui um blog com seu nome, além de trabalhar como articulista e colunista em várias publicações, acredita que, com o auxílio desse tipo de ferramenta, “o jornalismo deixou de ser uma aula e passou a ser uma conversação”. No artigo, Alves afirma que Gillmor, o “papa” do jornalismo participativo, em que o cidadão comum auxilia na construção da notícia a partir do envio de conteúdos, que podem ser textos, imagens, vídeos e sons, inclusive já publicou livros sobre o tema, como é o caso de “We The Media”, que poderia ser traduzido como “Nós, a mídia”.

O “Twitter”, já citado anteriormente, tem se mostrado uma ferramenta interessante quando o assunto é jornalismo online e tem se consolidado ao longo dos anos, segundo o estudo “Apropriação jornalística do Twitter: uma visão segundo modelo de Otto Groth”, de Ana Paula Palazi e Carolina Izzo Octaviano. O sistema ficou conhecido por um grande número de pessoas durante a eleição presidencial dos Estados Unidos, ocorrida em 2008. Durante a campanha, o então candidato à presidência, Barack Obama, enxergou nessa ferramenta uma importante estratégia eleitoral. 

 

 O atual presidente norte-americano, porém, não parou de usar a ferramenta de comunicação, a página é atualizada quase que diariamente. Clique aqui para conferir!

 

Conforme a reportagem “Estratégia vencedora de Barack Obama de investir em sites como o Twitter é espelho para os presidenciáveis brasileiros”, divulgada no site “Vote Brasil”, em 03 de maio de 2010, foi depois de Obama ter utilizado essa ferramenta de comunicação que ela se tornou espelho para outros políticos. Na verdade, depois das eleições americanas, verificou-se um crescimento no uso da ferramenta que passou a ser utilizada na cobertura minuto a minuto, no envio de atualizações diretamente do local de um acontecimento e como fonte primária de informação. O “Twitter” passou a ser usado, também, para transmitir informações sobre bastidores de publicação ou programa jornalístico, como é o caso do âncora do telejornal “Jornal Nacional” William Bonner, que está constantemente noticiando o que acontece nos intervalos do programa.

Em terras brasileiras, um exemplo de utilização do microblog por um grande número de pessoas foi quando ocorreu a enchente do Vale do Itajaí, em Blumenal, Santa Catarina, em 2008. Na época, não apenas jornalistas, mas também alguns moradores do local atualizavam suas páginas com informações do que estava acontecendo e com prestação de serviço. Ana Paula e Carolina explicam, no entanto, que o maior impacto dessa rede social aconteceu no anúncio da morte do cantor Michael Jackson, em 25 de junho de 2010. “Apesar de a nota ter sido publicada primeiramente no site especializado na cobertura de celebridades, TMZ, às 17h20, a notícia ganhou destaque internacional após ser postada, no Twitter, às 17h42, pelo perfil da agência BNONews”. Após essa divulgação, a página do “Twitter” foi acessada e atualizada por um número tão grande de pessoas que ficou fora do ar por alguns momentos.

Características 

O jornalismo online conta com alguns aspectos que o diferem dos demais meios de comunicação. “A internet trouxe novas formas de se produzir informação, transformando o webjornalismo em um imenso caleidoscópio de possibilidades: a convergência de áudio, vídeo e texto, a não linearidade do hipertexto, a interatividade da multimídia e a velocidade de giro”, explica Guilherme Mattoso. É isso mesmo, Patrícia comenta que a convergência de mídias pode ser quase que infinita e natural no ambiente online. Não é por acaso que se encontra a junção de ilustração, áudio, vídeo, fotografia, enquete e texto em praticamente todas as páginas.

Sabe aquelas anotações que se faz ao final da página de um livro? Ou mesmo as referências que encontramos no rodapé de um texto? Pois, então, isso ocorre na internet, porém, de maneira mais rápida e simples. Mattoso explica que devido aos “hipertextos” e “hiperlinks”, que são aquelas palavras em destaque nas quais é possível “clicar” e que possibilitam a condução da leitura de maneira diferente, direcionando o leitor à informação que ele deseja consultar. O que ocorre na internet é que a velocidade de transferência de uma informação para outra é rápida, quase que instantânea dependendo da velocidade da rede.

Mais do que isso, Patrícia lembra que na web a não linearidade de leitura é uma realidade. O internauta, diferente do que acontece numa revista, em que os olhos passam pela página de cima para baixo e da esquerda para a direita, pode iniciar a leitura da página a partir de qualquer ponto. Na web, é possível utilizar uma frase muito ouvida na escola: a ordem dos fatores não altera o produto. “Não há sequencia de leitura. Posso ouvir uma entrevista, ver uma foto e depois ler o texto. Não vou deixar de entender se mudar o caminho”, afirma a jornalista.

Ao vislumbrar as possibilidades dessa hipermídia, empresas, jornalistas e pessoas advindas de outras áreas, que não a comunicação, desenvolveram páginas com conteúdo jornalístico. Os assuntos? Inúmeros, da mesma maneira que existe uma enormidade de possibilidades em se informar via internet, os assuntos discutidos e noticiados nesse ambiente podem ser igualmente múltiplos, sendo complicado saber qual ainda não foi abordado no ambiente online.