A "moda" dos blogs de moda

Se, como já foi dito no capítulo "Rumo ao webjornalismo", é possível encontrar mais de 12 milhões de referências ao procurar o termo “blog de moda”, essa ferramenta de comunicação não é menos importante do que qualquer outra existente. pelo contrário, até mesmo grandes nomes do mundo da moda já reconheceram a importância dos blogs. 

Num bate-papo realizado pelo Portal “Uol”, em 29 de junho de 2009, a consultora de moda Constanza Pascolato foi entrevistada por internautas que desejavam tirar dúvidas. Acostumada com o meio impresso, Constanza disse gostar do ambiente online para se informar. “Eu fiz uma coluna na (revista) Vogue em 1995 sobre eles. Blogs de moda em português eu conheço quase todos”, cita. Em 2010, a, também, consultora Lillian Pacce, foi sabatinada no mesmo tipo de entrevista e disse que essa página possibilitou dar voz às pessoas que desejam se manifestar sobre o assunto. 

Não é por acaso que numa lista dos blogs de moda mais influentes do mundo, divulgada pelo site americano “Signature 9”, em abril de 2010, constam dois representantes brasileiros. Os critérios usados para que se chegasse a esse resultado foi a soma de quesitos como frequência, qualidade das postagens, popularidade na rede e, também, fama. Vale lembrar que os representantes do Brasil não estão na posição de lanterninhas, não.

 

Clique na imagem para ver a lista ampliada ou acesse o site para conferir todos os 99 blogs. Figura capturada por Luciana Morais 

 

O primeiro deles é o “Garotas Estúpidas”que ficou na posição 55,. Criado pela estudante de moda recifense Camila Coutinho, é composto por fotos dos “looks” da autora, tendências, “achados” baratos e bonitos, editoriais e notícias do mundo da moda e das celebridades, tudo escrito de maneira descontraída. Já o segundo blog citado no ranking é o “Dia de Beauté”, que ficou na 75ª posição, idealizado pela jornalista Victória Ceridono, que trabalha, também, na revista e no site da revista “Vogue”. O assunto? Como o próprio nome em francês diz, tudo relacionado à beleza, no caso, principalmente maquiagem, cabelo e tutoriais, ou seja, vídeos que ensinam as mulheres a se maquiarem ou fazerem penteados.

 Momento de ebulição 

Tendo os blogs brasileiros alcançado tamanha importância em nível mundial, como é possível que muitas pessoas ainda não tenham se dado conta da sua importância? Isso ocorre, porque esse “fenômeno” pode ser considerado, relativamente, novo. O pesquisador e jornalista Guilherme Mattoso, explica que a ferramenta cresceu muito desde sua criação, na década de 1990. Foi preciso mais nove anos para que pudesse ocorrer uma explosão no número de páginas, pois somente após esse período surgiram sites com ferramentas gratuitas para a criação de blogs, até então, em sua maioria, diários pessoais. 

No entanto, de acordo com Daniela Hinerasky, o país precisou esperar mais algum tempo para que os blogs de moda surgissem na internet. Foi somente em 2006, que se teve notícia das primeiras páginas especializadas na área, seguindo uma tendência começada no hemisfério Norte. “Foi a partir de 2007 que milhares de blogs passaram a se popularizar, com alguns títulos de sucesso e, em 2009, evidenciados pelo número de comentários e visitas (tendo muitos deles conquistado anunciantes)”, explica.

Para a socióloga Marilda Costa, o “boom” dos blogs de moda caminha na contramão do que ela tem percebido com as páginas de alguns colegas professores de outras áreas, que estão substituindo-as por redes sociais como o “Twitter”. Com certeza o “Twitter” é mais uma forma de noticiar, de transmitir informações, porém, é restrito quando o assunto é imagem, essencial no caso da indústria da moda e mais ainda nos blogs que cobrem esse tema. Talvez até por isso que eles façam tanto sucesso e não tenham sido substituídos por outra. Natália Clementin, autora das páginas “Blog da Nala” e “Blog das Meninas”, explica que as características desse tipo de página também fizeram com que essas ferramentas de comunicação se tornassem tão populares. São elas: a possibilidade de acompanhar as novidades de maneira imediata; espaço praticamente ilimitado; além de poder unir texto, foto, vídeo e áudio de uma só vez. 

A importância dessas ferramentas de comunicação já tem sido reconhecida, inclusive, pela indústria da moda. “É uma coisa de louco, tem aquele garoto japonês que já foi convidado pra assistir um desfile na primeira fila”, lembra a artista plástica Lúcia Castanho. O garoto citado por ela é Bryan Boy, “blogueiro” filipino de olhos “puxados”, radicado nos Estados Unidos. Ele foi um dos quatro blogueiros convidados a assistir o desfile da marca “Dolce & Gabbana”, da primeira fila, no desfile da coleção outono/Inverno da semana de moda de Milão, na Itália, em 2009, coisa que nunca tinha acontecido, pois apenas editores de grandes revistas e compradores ocupavam esses lugares, de acordo com o a reportagem de Luigi Torre, divulgada no site "FFW", em fevereiro de 2010.

 

Bryan é a terceira pessoa da esquerda para a direita. Ele conferiu o desfile ao lado de grandes nomes do mundo da moda, como Anna Wintour (loira de cabelos curtos), editora da "Vogue" americana, pessoa que inspirou a personagem Miranda Priestly, do filme "O Diabo Veste Prada". Crédito: "Marie Claire" 

 

O produtor de moda, Flávio Tenguan, lembra que tal atitude por parte da marca foi inovadora e pioneira, já que, há alguns anos, acompanhar desfiles de moda nas primeiras files era algo destinado somente a consultores e editores de moda com anos de profissão. Depois do “ponta pé” inicial dado pela “Dolce & Gabbana”, encontrar “celebridades” da  rede em um desfile se tornou algo comum. “Hoje os blogueiros dividem espaço com os grandes nomes da indústria da moda”, diz. Essa é uma realidade, também, no Brasil, como no caso da própria Camila Coutinho, do "Garotas Estúpidas", Heloisa Gomes, do “Sanduiche de Algodão” e “Mariah Bernardes”, do "Blog da Mariah", que acompanham o “São Paulo Fashion Week” há algumas edições.

Informalidade 

Em função da efervescência dos blogs, criar a própria página tornou-se algo atrativo tanto para as pessoas ditas comuns, que apenas se interessam pelo tema, como, até mesmo para profissionais já conhecidos do grande público. “Acompanhando o processo, as editoras de moda e beleza da imprensa feminina e de moda passaram a manter blogs em sites institucionais, na tentativa de aproximar-se das leitoras”, afirma Daniela Hinerasky. 

É possível confirmar o que a autora diz ao acessar o site “Chic”, da consultora, Glória Kalil, destinado ao público feminino e masculino que deseja saber as novidades da moda,  e notar que Glória possui, também, um blog. Ela, há anos, já enxergava o ambiente online como um importante espaço para que o tema fosse abordado. De acordo com Maíra Goldschmidt, editora do “Chic”, ela foi uma das pioneiras ao desenvolver uma página sobre jornalismo de moda no país, depois, fazendo depois um blog. “O site foi criado há 11 anos quando a internet estava engatinhando. Não havia praticamente jornalismo online na época”. 

Glória utiliza o espaço do blog para noticiar novidades do mundo da moda, mas, também, para dizer, sem pudor o que gosta e o que não gosta, evidenciando sua visão pessoal sobre determinado tema. Por falar em postagens com uma conotação mais pessoal, de acordo com Daniela Hinerasky, elas são comuns na rede, assim como a linguagem não tão sisuda, característica dessa ferramenta de comunicação. “Conceitualmente os blogs são publicações temáticas disponibilizadas gratuitamente na Web, que tratam de assuntos que circunscrevem a moda de forma opinativa, porque desde o ponto de vista dos autores, tanto no que diz respeito à escrita (quase sempre acessível, simples e descontraída), quanto à abordagem dos temas”, explica. 

Natália Clementin compartilha da mesma opinião e explica que é justamente essa maneira de se comunicar com o público-alvo que fez com que os blogs alcançassem uma posição de destaque no jornalismo. “O blog é uma maneira mais próxima de se conversar com quem lê e isso já torna tudo mais informal", afirma a jornalista. 

Um exemplo é a própria Glória Kalil, que em sua página costuma estar presente nas matérias, publicando, inclusive, fotos dela. Até mesmo as páginas que se propõem a não ter seus autores incluídos nas notícias e reportagens, como é o caso do blog “Moda para Homens”, possuem uma linguagem mais informal.

Identificação

Algo interessante que ocorre nesse universo “blogueiro” é a identificação entre leitor e autor, isso devido à linguagem empregada e ao fato do autor de uma página não precisar, necessariamente, ser o “papa” no assunto, mas, sim, uma pessoa comum. “Leitores acabam se identificando muito com esses curiosos da moda, porque eles pensam ‘se eles podem, eu também posso’. Quando o leitor está na internet, num ambiente que ele pode interagir aquela realidade fica mais próxima dele”, afirma a técnica em moda e estilismo Mariana Domitila.

O estudante do ensino médio Jonas Fávaro é exemplo disso. Ele tem o costume de acessar páginas com conteúdo de moda masculina quase todos os dias para se manter informado e revela que consegue se enxergar em muitos dos blogs que acessa, não necessariamente com um autor específico, já que alguns possuem vários colaboradores. “Eu me identifico com aqueles que têm opiniões ou gostos semelhantes aos meus”. Juliana França pensa como Jonas e diz que costuma visitar páginas de autoras que possuam uma vida parecida com a dela, mais "real" do que se encontra em revistas, por exemplo, onde há muito glamour. "Eu leio mais os blogs que ficam mais próximos das pessoas e que tenham uma linguagem de fácil entendimento. Há varias (meninas) que são mais “comuns”, mais de acordo com a realidade", explica.

Pedro Zille, psicólogo e coordenador do curso de Estética da Uniso, comenta que os internautas podem ser vistos como seguidores/discipulos, tendo na figura do "blogueiro" a imagem de um mestre, o que não inspira grandes preocupações. No entanto, quando uma pessoa passa a seguir e a fazer tudo o que outra faz, representa cuidados. 

 

Zille comenta os riscos da relação seguidor/mestre. Foto: Luciana Morais. Canal do Youtube: "Internet: a nova moda"

Para Daniela, a interação que acontece nos blogs não ocorre por acaso, já que existe, pelo menos aparentemente, uma disponibilidade do autor ao “ouvir” e atender sugestões do internauta. Há, ainda, a impressão de proximidade e igualdade na interação entre aquele que produz conteúdos e quem os acessa. O internauta sente-se como uma espécie de colega, de colaborador, entrando em contato com o autor da página. “(A relação) É bem bacana, eles (leitores) ajudam, bastante. Nós sempre recebemos sugestões e, na medida do possível, as atendemos”. 

“It Girls”

Por conta dessa identificação que ocorre entre emissor e receptor da mensagem, os “blogueiros” acabam sendo alçados à categoria de formadores de opinião. Coisa, antes, que acontecia facilmente apenas com as editoras e consultoras de moda com “anos de estrada”. Esse é, também, um dos fatores que fizeram com que os “blogs” se tornassem tão populares.

O produtor de moda Flávio Tengan lembra que no caso da moda, garotas que fazem sucesso na rede são conhecidas pelo curioso termo “it girls”. Nunca ouviu falar? Pois, a expressão surgiu em 1927 e foi atribuída a atriz Clara Bow, que interpretou uma garota que fazia uso do sexo para obter poder e que seduzia o público com seus cabelos ruivos e olhar expressivo. Esses atributos conquistavam o público da época, de acordo com uma reportagem de Camila Cemin Rolon, no site “Portais da Moda”.

Atualmente, “it girls” possui uma conotação um pouco diferente. “Elas são as queridinhas de fotógrafos e estilistas sendo reconhecidas como ótimas influenciadoras de estilo e ditadoras de tendências”.  Camila explica que algo marcante nessas garotas é o senso de estilo apurado e peculiar, tornando-se referência para quem as acompanha. As “it girls” podem ser encontradas tanto na vida “real”, como a atriz Grazi Massafera, segundo o site “Estilo”, quanto no ambiente virtual, como é o caso de algumas blogueiras, que se tornam referência.


A blogueira Camila Coutinho, do "Garotas Estúpidas", é um exemplo de "It Girl", tanto que foi entrevistada no evento do "São Paulo Fashion Week", que ocorreu no início de 2011. Vídeo disponível no canal do Youtube: "Oi"


Tengan explica que os autores de blogs atingiram um patamar em que se tornaram famosos, muitas vezes pelo que escrevem, outras, por sua figura mesmo. “A maioria das pessoas nesse meio é reflexo da nossa era, são celebridades”. Algo que é fácil de compreender, já que, há mais de 50 anos, o artista Andy Warhol havia dito a quase que profética frase que se adapta muito bem ao que ocorre atualmente: “In the future everyone will be famous for fifteen minutes". A frase que pode ser traduzida como “No, futuro, todos serão famosos por quinze minutos”.

O produtor de moda concorda com tal pensamento. Ele explica que essa é a intenção de algumas pessoas que desenvolvem seus blogs, já que, sendo uma ferramenta de comunicação mais informal, que pode ser feita por todo o tipo de pessoa, qualquer um consegue se tornar um comunicar e, se houver empenho e sorte, se tornar referência para outros internautas. O sociólogo Cláudio Gravina lembra que há, também, interesse por parte dos leitores em acompanhar não apenas novidades do mundo da moda, mas, de quem as divulga.

Essa postura é fácil de ser “diagnosticada”, segundo Gravina. “É o voyeurismo, por conta do narcisismo dessa sociedade do espetáculo. Grandes programas de televisão, como o Big Brother Brasil, são uma expressão disso”. O sociólogo explica que como as pessoas estão muito voltadas para si mesmas, se preocupando cada vez mais com o “próprio umbigo”, algo que é estimulado pela sociedade, existe certo prazer ao observar como o outro se comporta e se veste.

A psicóloga Ivelise Fortim de Campos, no artigo “O que é cybervoyeurismo”, divulgado pelo site “Vya Estelar”, explica que o termo citado pelo sociólogo, numa primeira definição se refere à excitação ao ver alguém copulando. O conceito da expressão, porém, pode ser ampliado à televisão e à web. “Todos podemos ver a vida de alguém, sem que ele sequer suspeite quem somos”. A psicóloga afirma, ainda, que nenhuma outra mídia ou meio permitiu que esse “voyeurismo” fosse acessível a tantas pessoas.

Fernando Moreno da Silva, autor do estudo “Blog: uma leitura do voyeurismo às avessas”, confirma tal fato ao dizer: “O blogueiro age num voyeurismo às avessas, uma vez que o escrevente vigiado pelo outro é quem busca flagrar a presença alheia. Nesse sentido, a finalidade desse gênero é fazer ver e ser visto”. Marilda Costa explica que tal voyerismo já ocorre há alguns anos, pois as pessoas vivem na sociedade do espetáculo, termo criado pelo escritor francês, Guy Debord, por volta de 1968. De acordo com a socióloga, a expressão se refere a situações comuns que ganham grandes proporções e se transformando em show. É justamente isso que algumas garotas consideradas “it girls” estão fazendo ao expor as roupas que usam no dia-a-dia, por exemplo. “Hoje, através da web, as pessoas espetacularizam toda a sua vida social”.